DENGUE: MANEJO CLÍNICO
Guia prático para padronização do manejo clínico da dengue, desde a atenção primária até às unidades de maior complexidade.
FP
by Fabrício Pessoa
Apresentação
Protocolo Atualizado
Revisão e atualização do protocolo para o manejo clínico dos pacientes com dengue durante o ano de 2023.
Foco na Assistência
Ênfase na classificação de dengue e revisão dos volumes de hidratação para os diferentes grupos.
Diagnóstico Diferencial
Inclusão do diagnóstico diferencial com Chikungunya e Zika, introduzidas no País nos últimos anos.
Responsabilidade Compartilhada
Baixa Tecnologia, Alta Efetividade
A adoção de medidas para melhora assistencial é de baixa densidade tecnológica e possui alta efetividade.
Óbitos Evitáveis
Os óbitos por dengue são, em sua maioria, evitáveis. Sua ocorrência indica fragilidade da rede de assistência.
Controle Coletivo
A responsabilidade pelo controle da epidemia é de todos os cidadãos, profissionais e munícipes.
Objetivo do Protocolo
Padronização
Estabelecer condutas uniformes
Rede Integrada
Da atenção primária às unidades complexas
Manejo Clínico
Orientações baseadas em evidências
Introdução à Dengue
Doença Única
Desde 2014, o Ministério da Saúde classifica a dengue como uma doença única, dinâmica e sistêmica.
Evolução Variável
Pode evoluir para remissão dos sintomas ou agravar-se, exigindo constante reavaliação.
Sinais de Alarme
A identificação precoce dos sinais de alarme é fundamental para mudar o curso da doença.
Gravidade da Dengue
Extravasamento Plasmático
A maior parte dos casos graves ocorre pelo extravasamento plasmático, podendo evoluir para choque.
Hemorragia
Pacientes graves podem apresentar hemorragia importante, comprometendo funções vitais.
Disfunção Orgânica
Sinais de disfunção orgânica podem aparecer nos casos mais graves da doença.
Intervenção Rápida
A identificação precoce e intervenção rápida podem mudar o curso da doença.
Sistematização do Atendimento
Classificação de Risco
Baseada em aspectos clínico-laboratoriais para otimizar o atendimento dos pacientes.
Eficácia das Condutas
Aumenta a eficácia das condutas médicas e de enfermagem no manejo do paciente.
Redução de Riscos
Diminui o risco de evolução para gravidade quando aplicada corretamente.
Definição de Caso Suspeito
Febre
História de febre com duração de 2 a 7 dias.
Sintomas Associados
Pelo menos dois sintomas: náusea/vômito, exantema, mialgia, artralgia, cefaleia ou dor retro-orbital.
Sinais Clínicos
Petéquias ou prova do laço positiva, leucopenia.
Crianças
Quadro febril agudo sem foco de infecção aparente.
Dengue com Sinais de Alarme
Dor Abdominal
Dor abdominal intensa (referida ou à palpação) e contínua.
Vômitos Persistentes
Episódios repetidos de vômitos que não respondem à terapia habitual.
Acúmulo de Líquidos
Ascite, derrame pleural, derrame pericárdico detectáveis clinicamente.
Outros Sinais
Hipotensão postural, hepatomegalia, sangramento de mucosa, letargia/irritabilidade, aumento progressivo do hematócrito.
Dengue Grave
Sangramento Grave
Hemorragias importantes que podem comprometer funções vitais
Comprometimento de Órgãos
Disfunção grave de órgãos como fígado, sistema nervoso central ou coração
Sinais de Choque
Hipotensão, taquicardia, pulso fraco, extremidades frias, oligúria
Diagnóstico Diferencial: Síndromes Febris
Viroses
Enteroviroses
Influenza
Covid-19
Outras viroses respiratórias
Infecções Sistêmicas
Hepatites Virais
Malária
Febre tifoide
Outras Arboviroses
Chikungunya
Zika
Febre amarela
Diagnóstico Diferencial: Síndromes Dolorosas Abdominais
Apendicite
Dor em fossa ilíaca direita, náuseas, vômitos e febre.
Obstrução Intestinal
Dor abdominal, distensão, vômitos e parada de eliminação de gases.
Abscesso Hepático
Dor em hipocôndrio direito, hepatomegalia dolorosa e febre.
Pneumonia
Pode apresentar dor abdominal, principalmente em crianças.
Diagnóstico Diferencial: Síndromes Exantemáticas
As síndromes exantemáticas incluem: Zika, Rubéola, Sarampo, Escarlatina, Eritema infeccioso, Púrpura de Henoch-Schonlein, Doença de Kawasaki, Exantema súbito, Enteroviroses, Mononucleose infecciosa, Parvovirose e Farmacodermias.
Diagnóstico Diferencial: Síndromes de Choque
Meningococcemia
Infecção bacteriana grave com rash petequial característico e rápida evolução para choque.
Septicemia
Infecção generalizada com resposta inflamatória sistêmica e disfunção orgânica.
Choque Cardiogênico
Miocardites podem levar a quadro de choque por falência da bomba cardíaca.
Síndrome do Choque Tóxico
Causada por toxinas bacterianas, com febre alta, hipotensão e exantema.
Diagnóstico Diferencial: Síndromes Hemorrágicas
Hantavirose
Febre, mialgia, cefaleia, seguidos de insuficiência respiratória e choque.
Febre Amarela
Febre, icterícia, manifestações hemorrágicas e insuficiência renal.
Leptospirose
Febre, mialgia intensa, icterícia e manifestações hemorrágicas.
Febre Maculosa
Febre, cefaleia, mialgia e exantema petequial, incluindo palmas e plantas.
Diagnóstico Diferencial: Arboviroses
Atendimento ao Paciente: Anamnese
Presença de Febre
Verificar duração, intensidade e padrão da febre.
Sinais de Alarme
Investigar presença de dor abdominal, vômitos persistentes, sangramento.
Diurese
Avaliar volume e frequência urinária nas últimas 24 horas.
História Familiar
Verificar casos de dengue na família ou vizinhança.
Atendimento ao Paciente: Exame Físico
Sinais Vitais
Temperatura, pressão arterial, frequência cardíaca e respiratória.
Nível de Consciência
Avaliar estado mental, presença de letargia ou irritabilidade.
Estado Hemodinâmico
Verificar perfusão periférica, pulso, pressão arterial.
Exame Abdominal
Avaliar dor abdominal, ascite, hepatomegalia.
Classificação de Risco do Paciente com Dengue
Grupo A
Sem sinais de alarme, sem comorbidades, sem risco social.
Grupo B
Sem sinais de alarme, mas com sangramento, comorbidades ou risco social.
Grupo C
Com sinais de alarme, sem sinais de choque.
Grupo D
Dengue grave com sinais de choque, sangramento grave ou disfunção orgânica.
Manejo Clínico: Grupo A
Características
Não grave, sem complicações, sem sinais de alarme, sem comorbidades.
Hidratação Oral
Adultos: 60 ml/kg/dia. Crianças: 80-130 ml/kg/dia conforme peso.
Medicação
Sintomáticos: analgésicos, antitérmicos. Evitar anti-inflamatórios.
Retorno
No 1º dia sem febre ou no 5º dia da doença se persistir febre.
Manejo Clínico: Grupo B
Características
Não grave, mas com risco de complicação: sangramento, comorbidades, extremos de idade ou risco social.
Exames
Hemograma obrigatório. Pacientes de risco: resultado em até 4 horas.
Observação
Pacientes com risco: manter em observação por 24 horas com hidratação e avaliação periódica.
Manejo Clínico: Grupo C
Características
Presença de sinais de alarme, sem sinais de choque. Atendimento urgente.
Hidratação Endovenosa
Fase de expansão: 10 ml/kg/h de soro fisiológico na 1ª e 2ª hora.
Monitoramento
Reavaliação clínica a cada hora e hematócrito após 2h de expansão.
Internação
Obrigatória por no mínimo 48 horas para monitoramento contínuo.
Manejo Clínico: Grupo D
Atendimento Imediato
Dengue grave com sinais de choque, sangramento grave ou disfunção orgânica
Internação em UTI
Por no mínimo 48 horas com monitoramento contínuo
Hidratação Agressiva
20 ml/kg de soro fisiológico em 20 minutos, repetir até 3 vezes se necessário
Hidratação Endovenosa: Grupo C
1
Fase de Expansão
10 ml/kg/h de soro fisiológico na 1ª e na 2ª hora (total máximo: 20 ml/kg em duas horas).
2
Reavaliação
Verificar sinais vitais, PA, diurese a cada hora. Hematócrito após 2h de expansão.
3
Se Melhora
Iniciar 1ª fase de manutenção: 25 ml/kg em 6 horas, seguida de 2ª fase: 25 ml/kg em 8 horas.
4
Se Não Melhora
Repetir fase de expansão até 3 vezes. Se persistir sem melhora, conduzir como Grupo D.
Hidratação Endovenosa: Grupo D
20
ml/kg em 20 min
Hidratação inicial com soro fisiológico
3
repetições
Máximo de expansões rápidas permitidas
15-30
minutos
Intervalo para reavaliação clínica
2
horas
Intervalo para reavaliação do hematócrito
Uso de Albumina em Dengue
Indicação
Persistência do choque após 3 fases de expansão rápida com hematócrito em elevação.
Dosagem
0,5 - 1 g/kg. Preparar solução a 5% (25 ml de albumina a 20% + 75 ml de SF 0,9% para cada 100 ml).
Alternativa
Na falta de albumina, usar colóides sintéticos, 10 ml/kg/hora.
Transfusão de Hemoderivados
Concentrado de Hemácias
Indicado em caso de hemorragia com choque e hematócrito em queda (10-15 ml/kg/dia).
Plasma Fresco
Considerar em coagulopatia (10 ml/kg) junto com vitamina K endovenosa.
Plaquetas
Apenas em sangramento persistente não controlado, com trombocitopenia e INR > 1,5.
Atenção
A transfusão desnecessária de plaquetas pode aumentar a gravidade do paciente.
Critérios de Alta Hospitalar
1
1
Estabilização Hemodinâmica
Durante 48 horas consecutivas.
Ausência de Febre
Por pelo menos 24 horas.
Melhora Clínica
Visível no quadro geral do paciente.
4
4
Hematócrito Normal
Estável por 24 horas.
Plaquetas
Em elevação progressiva.
Orientações Pós-Alta
Hemograma
Colher novo hemograma no momento da alta para referência.
Retorno
Agendar consulta na UBS em até 24h para reavaliação clínica e laboratorial.
Hidratação
Manter hidratação oral conforme orientação do Grupo A.
Medicação
Continuar com sintomáticos conforme necessidade, evitando anti-inflamatórios.
Afastamento Laboral
Tempo Inicial
Considerar 5 dias a partir do início dos sintomas para casos confirmados.
Avaliação Individual
O tempo varia conforme condição clínica, evolução e avaliação médica.
Retorno às Atividades
Deve ocorrer com o paciente recuperado do quadro, a critério médico.
Notificação Compulsória
Obrigatoriedade
A dengue é doença de notificação compulsória conforme portaria 204 de 2016.
Sistema
Preencher notificação no sistema de agravos
Atualização
Em todas as passagens do paciente, a ficha deve ser atualizada no sistema.
Óbitos
Notificação IMEDIATA para todos os níveis (SMS, SES, MS).
Prova do Laço: Procedimento
Verificação da PA
Verificar a pressão arterial e calcular o valor médio: (PAS+PAD)/2.
Insuflação do Manguito
Insuflar até o valor médio e manter por 3 minutos (crianças) ou 5 minutos (adultos).
Avaliação
Desenhar um quadrado com 2,5 cm no local de maior concentração de petéquias e contar.
Interpretação
Positiva: ≥10 petéquias (crianças) ou ≥20 petéquias (adultos) dentro do quadrado.
Cartão de Acompanhamento
Identificação
Preencher todos os dados do paciente e da unidade de saúde.
Sinais de Alarme
Destacar os sinais que exigem retorno imediato à unidade de saúde.
Hidratação
Especificar o volume de hidratação oral a ser ingerido por dia.
O cartão deve ser sempre entregue ao paciente com orientações adequadas. Solicitar que o paciente leve o cartão em todos os retornos.
Medicamentos Recomendados
Analgésicos/Antitérmicos
Dipirona ou paracetamol nas doses habituais para alívio da dor e febre.
Antieméticos
Bromoprida ou ondansetrona para controle de náuseas e vômitos.
Antipruriginosos
Para alívio da coceira associada ao exantema quando presente.
Contraindicados
Anti-inflamatórios não hormonais e salicilatos são contraindicados em todos os casos.
Exames Laboratoriais
Obrigatórios
Hemograma completo
NS1 (até 5º dia)
Sorologia IgM (após 6º dia)
Albumina (grupos C e D)
Transaminases (grupos C e D)
Tipagem sanguínea (grupos C e D)
Recomendados (Grupos C e D)
Raio-X de tórax
Gasometria
Eletrólitos
Ureia e creatinina
Coagulograma
Ultrassom de abdome
Prevenção e Controle do Vetor
Eliminar Criadouros
Remover recipientes que acumulam água parada em residências e áreas comuns.
Tampar Reservatórios
Manter caixas d'água, cisternas e outros reservatórios bem vedados.
Usar Repelentes
Mesmo em pacientes sintomáticos, para diminuição da transmissão.
Ação Comunitária
Participar de mutirões de limpeza e campanhas educativas.
Referências e Links de Acesso
Ministério da Saúde
Dengue: diagnóstico e manejo clínico: adulto e criança. 6. ed. Brasília, 2024.
PAHO/WHO
Guidelines for the Clinical Diagnosis and Treatment of Dengue, Chikungunya, and Zika, 2022.
Guia de Vigilância
Guia de Vigilância em Saúde. 5. ed. Ministério da Saúde, 2021.
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